Dentre as inúmeras dificuldades que o aluno com necessidades educacionais especiais enfrenta em sua trajetória acadêmica, participar das aulas de língua estrangeira se apresenta como um grande desafio. Isso porque, na maioria das vezes, estes alunos têm o processo de alfabetização longo e dificultoso, aprender a ler na língua pátria já é difícil. Ler é decifrar um código, e neste caso, requer mais tempo e estratégias precisam ser mantidas por um longo tempo, de forma que a prioridade deve ser primeiro dominar essa habilidade na própria língua.
O modelo de ensino que mais observamos na escola, de forma geral, é aprender através da leitura e escrita, ou seja, ler, responder e copiar. Aí que complica para o aluno que não está alfabetizado em português, pois, o ensino de outras línguas, como por exemplo da língua inglesa, se dá através da escrita, que vai no sentido contrário ao processo de leitura que este aluno está tentando adquirir na própria língua, já que a escrita e leitura em inglês decodifica as letras de forma diferente do português, os sons são diferentes e desfavorece o domínio e o avanço do processo de leitura em português, causando uma grande confusão nos dois processos.
Como resolver esse imbróglio, já que este aluno tem direito a esta aprendizagem, e tem interesse na outra língua? Muitas vezes este aluno já tem um vocabulário social do inglês, compreende a utilização e mistura destas palavras no dia a dia, como por exemplo: delivery, fake, crush, download, etc.
Por isso oferecemos a aprendizagem do da língua estrangeira de forma naturalizada, sem o ensino gramatical e sem a exigência da escrita. O ensino pode ter o foco na aquisição de vocabulário funcional.
Neste tipo de ensino o aluno necessita de suporte constante, precisa de um ledor que vá emitir as palavras para que ele faça as atividades fazendo associação com figuras e imagens (ações e situações). As palavras inteiras podem ser apresentadas e aprendidas através da rota lexical (imagem). Porém não utilizamos estratégias de leitura e decodificação letra a letra, ou escrita, ou soletração ou ditar letras para o aluno registrar tal palavra, pois isso contaminaria a alfabetização em português, podemos sim apresentar a palavra inteira, mas não exigir a aprendizagem dos sons neste momento. Quando o aluno estiver plenamente alfabetizado em português é possível introduzir novos modelos de ensino, entretanto é preciso avaliar se isso é realmente funcional e se terá utilidade no seu desenvolvimento de forma geral.
Este ensino considera comunicação e funcionalidade de forma mais natural, porque a aprendizagem se dá como de uma pessoa que se muda para um país que fala outra língua, ou como para uma criança muito pequena que tem pais que falam línguas diferentes em casa, a criança aprende pela exposição ao estímulo auditivo, visual e social, através da exposição nas situações cotidianas, e não através de escrita e leitura.
O ensino da língua inglesa pode ser enriquecido através de apresentação de categorias semânticas ou Hiperonímia, ou seja, a relação que ocorre quando uma palavra possui um sentido que engloba um conjunto de outras palavras com sentido mais específico. O nome do grupo é considerado/chamado hiperonômio e essas palavras que possuem um sentido mais estrito são seus hiponômios.
Hiperonômio |
Hiponômio |
Alimentos |
Arroz, batata, carne, ovo |
Esporte |
natação, futebol, voleibol |
Animais |
vaca, cachorro, gato |
Veículos |
carro, avião, caminhão, motocicleta |
Flor |
rosa, margarida, azaleia, dália |
Bebidas |
Suco, água, refrigerante |
Sentimento |
amor, tristeza, alegria, felicidade |
O uso de categoria semânticas favorece o desenvolvimento e memorização do vocabulário que, quando associado a um trabalho com histórias sociais, pode ser utilizado funcionalmente no dia a dia do aluno. Então pensamos também em que grupos de palavras o aluno poderia mais ouvir ou utilizar numa viagem ou ainda que são usadas e naturalizadas em nosso país.
Exemplos:
Software – Programa
Upgrade – Melhoria
Upload – Subir um arquivo para o computador
Username – Nome de usuário
Website – Local na rede
Wi-fi – Rede sem fio
Wireless – Sem fio
Designer – Desenhista
E-learning – Aprendizado online
Air Fryer – Fritadeira elétrica
Brunch – Café da manhã reforçado
Cheeseburger – Pão, carne e queijo
Coffee break – Pausa para o café
Cookie – Biscoito
Cupcake – Bolinho pequeno
Delivery – Entrega
Diet – Dieta ou produto sem açúcar/sal/gordura
Drink – Bebida
Drive-thru – Onde você pode ser atendido sem sair do carro
Fast-food – Comida rápida
Freezer – Congelador
Grill – Grelha
Hamburguer – Hamburguer
Happy hour – Encontro após o trabalho
Hot dog – Cachorro-quente
Ketchup – Catchup
Milk-shake – Batida com leite
Self-service – Auto-serviço
Snack – Lanche
Steakhouse – Churrascaria
Wafer – Bolacha
Waffle – tipo de panqueca tostada
Airbag – Dispositivo de segurança usado em carros
Bullying – Assédio moral
Check-in – entrada em um lugar – se identificar
Check-out – avisar a saída de um local
Check-up – Exame de saúde geral
Cringe – Que causa constrangimento
Crush – Uma paixão súbita por alguém
Fake News – Notícia falsa
Outro desafio nesta questão refere-se à preparação de material adequado, que favoreça a aprendizagem sem, contudo, estar focado em escrita, para tal não temos livros adaptados que contemplem apenas vocabulário e neste modelo com imagens e funcionalidade, o material precisa ser pensado e produzido considerando o cenário social e etário do aluno, bem como seus centros de interesse.
Sobre os modelos de atividades ofertadas, o uso de imagens para pareamento e para reforço visual do trabalho é essencial, de modo que as atividades precisam ser diversificadas e apresentadas perseguindo os mesmos objetivos, porém com estímulos diferentes.
Uma das opões é a elaboração de um portfólio com as categorias, com figuras e imagens das ações, de modo que o aluno possa ir acrescentando novas imagens e palavras (inteiras digitadas – coladas) e possa estudar e consultar o material também.
Então ter experiências que insiram palavras no dia a dia é um caminho para continuar ofertando o estímulo de aprender outra língua, assim acontece com crianças, adolescentes e jovens atípicos que se mudam para outro país e aprendem outra língua de forma natural. A prática de introdução de perguntas e respostas num esquema de diálogo também trás engajamento do aluno e possibilidade de aprender outras palavras (que não são substantivos concretos) para começar a compreender e formar frases comunicativas.
Não podemos perder de vista que o acesso a esta disciplina é garantido por lei, tanto quanto às outras, ou seja, ofertamos e adaptamos de modo que o aluno possa ter acesso, ao passo que precisamos ser cuidadosos com os modelos de ensino e com a interferência que isso pode ocasionar na aquisição da leitura na língua pátria, por isso, os modelos de adaptações são tão importantes.
Quanto ao processo avaliativo é preciso pensar fora do modelo tradicional e verificar se este aluno está engajado e interessado nestas atividades. Observamos que está aprendendo quando passa a utilizar essas palavras e frases e, quando demonstra que estes conceitos também estão inseridos no seu repertório de interação e comunicação.
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