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PEI e inclusão: o que a luta das famílias revela sobre nossas escolas

 

A jornada da parentalidade é, por si só, cheia de desafios, incertezas e descobertas. Todos os pais, em algum momento, lidam com o luto do filho idealizado — aquele ser perfeito que criamos em nossas expectativas e sonhos. Isso é natural. Afinal, projetamos um futuro, imaginamos conquistas, visualizamos caminhos. No entanto, para famílias de crianças com intercorrências no desenvolvimento, como dificuldades de aprendizagem, apraxia da fala ou transtorno do espectro autista, esse processo se torna ainda mais doloroso e complexo.

Esses pais enfrentam não apenas o luto da idealização, mas o medo real e angustiante de ver os anos escolares passando sem que seus filhos recebam as ferramentas adequadas para aprender, crescer e se desenvolver com dignidade e autonomia. E, em muitos casos, isso se torna uma verdadeira batalha com o sistema educacional.

A verdade é que temos poucos anos de experiência da escola regular no atendimento de crianças com necessidades específicas de aprendizagem. A inclusão é uma proposta relativamente nova no contexto educacional brasileiro. Ainda estamos aprendendo — como sociedade, como educadores, como instituições — a realmente incluir, no sentido pleno da palavra.

O que deveria ser direito garantido muitas vezes se transforma em resistência. Os pais se veem forçados a lutar: por laudos que justifiquem atendimentos; por profissionais capacitados que saibam como intervir; por adaptações curriculares que realmente façam sentido; por avaliações justas; por respeito à singularidade do seu filho.

Enquanto isso, os anos do ensino fundamental vão passando. O tempo que escorre entre os dedos a cada ano perdido sem uma intervenção adequada, sem um olhar técnico e sensível, é uma janela que se fecha. A neurociência já nos mostrou a importância da intervenção precoce, da estimulação adequada no tempo certo. Mas para muitas dessas crianças, a escola regular segue oferecendo o mesmo modelo de ensino, esperando que elas se adaptem — e não o contrário.

É nesse cenário que os pais se tornam advogados, terapeutas, mediadores, pesquisadores. É nesse cenário que eles se exaurem tentando construir pontes com instituições de ensino que, muitas vezes, não têm estrutura, preparo ou disposição para acolher essa diferença.

Adaptar e flexibilizar é um direito garantido, não uma concessão. A implementação de adaptações e flexibilizações curriculares exige mais do que boa vontade — exige investimento. É um trabalho de alto custo porque demanda profissionais capacitados, bem formados e atualizados. Não se trata apenas de ter um estagiário por perto. É preciso uma equipe comprometida: psicopedagogos, fonoaudiólogos, psicólogos escolares, professores especializados, coordenadores com escuta ativa. Também é essencial contemplar horário remunerado para que os professores participem de reuniões e preparem materiais adaptados para esses alunos — e este é um dos grandes entraves do processo.

Muitas instituições até apresentam um PEI (Plano de Ensino Individualizado) tecnicamente adequado, mas falham em executá-lo justamente por não contemplarem os aspectos operacionais em seu orçamento. Além disso, se o planejamento pedagógico dos demais alunos é feito em janeiro, antes do início das aulas, o PEI também deveria ser. Tudo deveria estar alinhado antes da criança ser recebida na escola. É inaceitável que justamente as crianças com mais necessidades específicas não tenham o planejamento adequado desde o primeiro dia de aula. As reuniões pedagógicas envolvendo esses casos deveriam ocorrer no mínimo quinzenalmente, com o objetivo de avaliar as estratégias adotadas, recalcular a rota, apresentar os materiais adaptados, analisar os modelos que foram ou não funcionais para aquela criança e garantir o registro sistemático de tudo que foi discutido, permitindo que qualquer membro da equipe possa retomar o histórico e dar continuidade ao trabalho com consistência.

Flexibilizar não é abrir mão de ensinar — é encontrar caminhos para que o ensino aconteça. E isso não se faz com improviso, mas com responsabilidade técnica, ética e sensibilidade humana.

A luta dessas famílias é legítima, dolorosa e cotidiana. Elas não pedem privilégios. Pedem oportunidades reais de aprendizagem para seus filhos. Pedem que o sistema educacional saia do discurso e entre na prática inclusiva. Pedem respeito à singularidade de cada criança. Porque toda criança pode aprender — mas nenhuma criança deve carregar, sozinha, o peso de ter que ensinar aos adultos como incluí-la.

 

 

Gilmênia Bueno

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